16.10.11

Que venha em paz..






Em Paz

Há quem faça contas
Há quem vá as compras
Quando mais um ano chega ao fim
Hora de escrever cartões
Hora de rever os planos
Mais um ano chega ao fim

Quem venha em paz
O ano que vem
Que venha em paz
O que o futuro trouxer

Cai a neve na vitrine
E a gente derrete ao sol
Neste natal tropical
Os cachorros da vizinhança vão latir
Sob fogos de artifício
Pensarão que é o fim
Mas será só o início

Quem venha em paz
O ano que vem
Que venha em paz
O que o futuro trouxer

Há quem ignore o calendário
Há quem fique de olho no horário
Quando mais um ano chega ao fim
Quem venha em paz
O ano que vem
Que venha em paz
O que o futuro trouxer


7.10.11

Acho que era junho...

Carol Grechi
Novo Hamburgo, Escola Otávio Rosa, terceira série, 1997. Carol e Felipe era amigos inseparáveis. Ela CDF, quietinha e às vezes distraída. Ele bagunceiro, notas baixas e da “turma do fundão”. No recreio ambos iam contra suas definições e saíam abraçados pelo pátio da escola, cantando Mamonas assassinas e parando sempre em determinados pontos pra comentar as lendas da escola, como a do menino que jogou uma pedra de brita na parede do parquinho, a pedra voltou, o acertou na fonte e ele morreu. Frequentemente os dois paravam em frente a tal parede e permaneciam alguns segundos em silêncio, em respeito ao morto que provavelmente nunca existiu.
Os dois passavam tanto tempo juntos que Carol começou a perceber detalhes estranhos em Felipe. Como ele era bonito. Talvez o mais bonito da sala. Ou o mais bonito da escola. Como ela nunca havia notado isso antes? De repente passou a ser algo tão óbvio... Seu melhor amigo era simplesmente lindo. As festas juninas se aproximavam e Carol começou cada vez mais a se incomodar com seus sentimentos estranhos para com Felipe. Com oito anos era a única definição possível, “sentimentos estranhos”.
Inspirada nos romances tortos da Sessão da tarde e nas histórias de contos de fadas, Carol tomou uma decisão. Não podia mais passar a manhã com seu amigo sem que quisesse passar o resto do dia com ele. Iria escrever uma carta.
Armou-se de sua caixa de 24 lápis de cor da Faber Castell, algumas folhas de ofício, lápis, borracha e cola. Escreveu a mais apaixonada das cartas que uma criança de oito anos é capaz de escrever. Como direito a “eu amo você” (como havia visto na Sessão da tarde), desenhos de um casal de mãos dadas que lembravam vagamente as feições de ambos, corações vermelhos com “Carol e Felipe” dentro, e a pergunta que mais pesava na cartinha: Quer namorar comigo?
Fez um envelope, lacrou com um adesivo e escreveu atrás num cantinho: “De: Carol - Para: Felipe”.
Na manhã seguinte foi para a festinha junina, de vestido de chita, trancinhas, sardinhas e tudo mais. Na mochila, a carta que ditaria o futuro das suas férias de julho de 97.
Esperou a hora exata em que Felipe não estivesse perto de sua mesa e foi até lá. Deixou a carta em cima do caderno do amigo, numa grade logo abaixo do tampo da mesa. Saiu com as mãos ainda tremendo e enquanto esperava a resposta, foi brincar com as colegas e comer pé-de-moleque.
Pelas tantas da festinha, o som parou. Quando Carol levantou os olhos deparou-se com a seguinte cena: Um colega que concorria com Felipe no cargo de mais bagunceiro, havia encontrado a sua carta. Mais do que isso, estava de pé na cadeira de Felipe, com a carta aberta. Então ele começou a ler.
Cada palavra, cada “Felipe eu te amo” ficou ecoando pela sala. Antes da visão de Carol ficar completamente embaçada pelas lágrimas de vergonha, ela viu seu amigo Felipe encarando o colega torturador com uma expressão muito séria. A expressão mais séria que uma criança de oito anos pode ter.
A professora resolveu fazer alguma coisa e tomou a carta do aluno, ligou o som novamente e foi tentar consolar a prenda mais chorona de toda a história das festas juninas.
Sentada no chão, abaixo do quadro negro, Carol abraçava os joelhos e só ouvia murmúrios das amiguinhas lhe dizendo que ia ficar tudo bem, que o colega idiota estava indo pra direção... Mas nada disso interessava. Até que ela ouviu a única voz que importava naquela hora.
- Carol?
Ela abriu os olhos e viu seu amigo/amor ainda sério, lhe estendendo a mão. Ela a tomou e se deixou guiar. Entraram engatinhando em um “corredor”, formado pelos pés das mesas de quitutes, encostadas à parede. Ali estavam a salvo dos olhares do resto da sala, protegidos pelas toalhas de mesa que pendiam moles, banhadas por refrigerantes derrubados.
Felipe segurou uma das mãos dela e disse:
- Carol, eu gosto muito de ti. Muito mesmo. Mas é só como amigo... Nós ainda podemos ser amigos?
Ainda remoendo a vergonha recente e se arrependendo de ter escrito a maldita carta, a menina concordou com a cabeça. Tirando a vergonha e o “amor” reprimido que ainda ficariam por algum tempo, estava tudo certo outra vez. Os dois saíram do esconderijo exatamente na hora em que uma música mais lenta começava a tocar. Ele sorriu, estendeu a mão, e encerrou a história daquela festa junina com um final quase feliz:
- Então... Quer dançar comigo?

Crônica publicada dia 5 de outubro na página 6 do jornal Diário de Notícias.