8.8.08

¼ Cheio de saudade

Por Caroline Grechi

Um suspiro, normal. Dois suspiros, relativamente normal. Três suspiros seguidos, caso gravíssimo de paixonite aguda.

O seu cantinho já não é mais o mesmo, recebeu uma visita. E isso não é tão simples como parece, afinal esta pessoa esteve no seu mundo e o que é pior, com o seu consentimento.

Foi naquela bela tarde de agosto, os passarinhos cantavam afinados alguma música da sua banda favorita, o velhinho antipático da padaria lhe deu “bom-dia” e aquele pirralho do vizinho não colou chiclete na sua calça quando você passou (pelo menos foi isso que você percebeu com os 2% de atenção que dava ao mundo a sua volta).

Ao chegar em casa você comunicou que de tarde iria receber um(a) colega da escola pra fazer um trabalho. Seu pai lhe lança um olhar do tipo “será que é comigo?” e sua mãe grita alguma coisa da cozinha, algo como “tudo bem”. Pelo menos foi o que você pôde entender quando já estava fechando a porta do quarto.

Ah o quarto. Uma simples olhada e a verdade se faz presente. Você precisa arrumar o quarto. Ou melhor, você precisa deixar o quarto impecável em menos de duas horas, o que parece uma necessidade e não um sacrifício, já que não é a sua mãe quem esta pedindo para arrumá-lo e sim a sua consciência de que em breve terá mais uma pessoa dividindo este espaço com você.

De repente as coisas parecem ter se multiplicado ali dentro, não é só ¼ Cheio como você lembrava, é ¼ lotado, abarrotado, sufocante! (pelo menos é isso que uma outra pessoa acharia ao entrar no recinto).

Como o tempo é curto para uma arrumação meticulosa, o negócio é esconder. Tudo. Dentro de qualquer coisa. Papéis, revistas, CDS, livros, meias... as meias! Inúmeras meias por todo canto! A única saída para elas é o obscuro e seguro espaço em baixo da cama. Ok, meias invisíveis. Papéis e tralhas no geral podem ir para as gavetas mais próximas, inclusive as de roupas (depois você arruma, ou pensa em arrumar).

Arrumar a cama, tirar o copo de Nescau grudado no tampo da escrivaninha, varrer o chão (você varrendo seu quarto? Essa é boa...) e pronto! È só sentar na cama e esperar (que a visita não se encoste no abajur dos Simpsons, que você consertou com chiclete) fazendo uma pose de descontração enquanto finge ler um romance, até então esquecido junto aos demais livros da escola.

14h30min. Batem na porta. Sua mãe atende toda simpática e diz “o quarto é ali, segunda à direita”. Frio na barriga enquanto os segundos congelam no tempo e seus olhos se fixam na porta.

Toc-toc. Com uma voz que você acha ser descontraída, pede para a pessoa entrar. Depois de fingir que marcou a pagina do livro (afinal devia estar muito interessante) diz um cordial “fique a vontade” e “não repare na bagunça hein?... ha-ha-ha” (esperando que a bagunça esteja bem escondida).

As horas se passam e o (a) colega se mostra inteiramente à vontade, falando sobre o trabalho, dando risadinhas ocasionais e dizendo que o quarto é aconchegante. O SEU quarto. Aconchegante. Ele (ela) não diria isso algumas horas atrás.

Depois de uma tarde agradável, apesar do estudo, a visita faz aquela caída de “ta ficando tarde, é melhor eu ir” e você educadamente (e sinceramente) diz “quê isso, ainda ta cedo, fica mais um pouco”. Depois de resolvido o impasse de frases soltas a visita-colega se vai, deixando um perfume diferente no seu mundinho.

De noite, ao olhar pras coisas ao redor (e sorrir ao ver o abajur intacto) você admite que sente falta... poderia ser da pessoa que esteve ali. Mas depois de alguns segundos você constata aliviado, que sente falta de outra coisa.

Um suspiro, normal. Dois suspiros, relativamente normal. Três suspiros seguidos, caso gravíssimo de paixonite aguda pela ex-bagunça de ¼ Cheio.